domingo, 14 de outubro de 2007

Microlentes Gravitacionais

Hoje passaremos em revista um método com uma abordagem bastante diferente de todos os outros. Este usa a relatividade geral de Einstein para detectar astros de massa planetaria.

Se observarmos um objecto emissor de luz e um corpo passar tangente a nossa linha de visão, a luz proveniente do objecto de fundo é deflectida pelo campo gravitacional do segundo astro. Como resultado a imagem de fundo é distorcida e ampliada, dando origem ao termo de lente gravitacional. Este fenomeno, discutido por Einstein em 1915, tem sido utilizado para detectar objectos com pouca ou nenhuma luminosidade, como é o caso da famosa matéria negra. Um exemplo claro é esta imagem do Hubble na qual as galaxias centrais aparecem fortemente distorcidas por acção do campo gravitacional da matéria negra.


Esta ideia foi aplicada a busca de planetas extrasolares. Ja vimos que se uma estrela passa proximo do feixe de luz que a nos chega vindo de um objecto de fundo, a luz é deflectida. Se esta estrela for acompanhada por um planeta, a massa deste provocara um evento de amplificação/deflexão secundario. Este fenomeno é a chamada Microlente Gravitacional e tem como efeito a criação de maximos ou minimos locais na curva de amplificação estelar. A precisão dos instrumentos actuais é tal que a detecção de tais sinais é possivel, indicando-nos a presença de um planeta.

Simulação duma amplificação principal (a t0) e 8 amplificações secundarias num sistema com 8 planetas. Presente em Pacynski (1996).

No entanto este metodo, se bem que bastante interessante, apresenta algumas desvantagens. A primeira é que uma dada curva de amplificação pode corresponder a varias configurações orbitais; a determinação dos parametros do sistema corresponde a configuração mais provavel (mas existe uma certa liberdade). A segunda é que o evento não é repetivel. Estes ocorrem segundo uma escala de tempo de algumas horas e existe uma probabilidade extremamente baixa de poder repetir a observação para o mesmo sistema numa configuração favoravel.
Ainda assim este metodo é atractivo devido a permitir a detecção de planetas de muito baixa massa, como foi o caso de OGLE-2005-BLG-390Lb, de 5.5 vezes a massa da Terra. Outro é de que a não detecção de sinais planetarios em extensivas campanhas de observação nos permite impor limites por excesso quanto a presença de planetas na nossa Galaxia. Passaremos em revista este e outros pontos quando discutirmos as propriedades estatisticas dos planetas.

Até em breve!

Pedro

terça-feira, 2 de outubro de 2007

Cronometria de Pulsares

Olas a todos! Lamento o atraso, mas depois das férias fui assolado por uma quantidade enorme de tarefas a retomar. E como a minha organização ainda não comporta tal, la ficaram varias coisas para tras, de entre as quais o blog. Mea culpa. Hoje retomaremos os posts com um método de detecção tao exotico quanto as suas presas: a cronometria de pulsares.

Comecemos por compreender o que são pulsares. Uma estrela massiva termina a sua vida quando esgota a energia nuclear que tem disponivel. Como estrelas de diferentes massas podem queimar elementos de natureza diferente (como vimos num dos primeiros posts), as estrelas podem terminar a sua existência com elementos diferentes e de maneira diferente. Uma delas é a chamada estrela de neutrões, uma estrela que foi despojada das suas camadas exteriores por uma violenta explosão em supernova. Estes objectos sao o estagio final de estrelas com massa 4 a 8 vezes a do Sol. Nos mesmos a forca da gravidade deixa de ser compensada pela pressão proveniente do movimento atomico. A materia comprime-se originando uma esfera cujo raio tem algumas dezenas de quilometros e uma enorme densidade.
Se bem que esta imagem é sucinta e carece de bastantes detalhes, fica aqui a ideia global. Para uma pagina dedicada ao tema, recomenda-se a Wikipedia.

Estes corpos possuem uma rotação extremamente rapida, frequentemente da ordem dos milésimos de segundo, e um fortissimo campo magnético associado. A pouca materia carregada (e.g. electrões e protões) que consegue escapar da superficie da estrela fa-lo através do eixo magnético norte-sul, onde a deflexão magnética é nula. No entanto, pode ocorrer que o eixo norte-sul não esteja alinhado com o eixo de rotação. Quando tal acontece, as particulas carregadas que escapam em feixes de luz varrem o espaco circundante, criando um autentico farol cosmico!



(Copyright Alex Wolszczan )

Nos na Terra conseguimos detectar tais emissões, e a elevada cadência das mesmas foi desde cedo alvo de bastante especulação, antes de se compreender o mecanismo que as originava. Alguns cientistas defendiam que algo tao rapido e metodicamente constante nao podia ter causas naturais e seria um sinal proveniente de uma civilização extraterrestre!

Consideremos agora que um planeta orbita em torno de um pulsar. A movimentação do pulsar em torno do seu centro de massa (tal como numa estrela "standard") provoca uma alteração na regularidade com a qual os pulsos são enviados. Uma cuidada analise de sinal permite detectar as variações no tempo de chegada do pulso - que são neste caso da ordem do milisegundo - e inferir as massas dos planetas, tal como no Método das Velocidades Radiais.


(Copyright Alex Wolszczan )

A questão que permanece é a de qual a verdadeira natureza destes planetas. Sera que eles sobreviveram a explosão da supernova? Tal parece muito pouco provavel, dada a enorme libertação de energia aquando do evento. Caso contrario, estes planetas terão que se ter formado a partir do material ejectado pela estrela e não do disco proto-estelar, como os "planetas comuns". Dai a distinção entre planetas vulgares e "planetas de pulsar".

Mas muito ainda ha a discutir em torno da formação de planetas. Este assunto sera abordado em profundidade mais tarde. Até la, ainda passaremos mais 2 ou 3 posts em torno dos métodos de detecção.

Um abraço e até a proxima (que desta vez esta proxima),

Pedro

segunda-feira, 23 de julho de 2007

Anti-trânsitos e Planetas com agua

Hoje discutiremos o ultimo titulo de jornal acerca de planetas extrasolares; uma vez enquadrado no seu contexto tornar-se-a bem menos espectacular (aviso ja). Para tal usaremos dos conceitos de trânsito e espectroscopia de transmissão.

O trânsito dum planeta é, em poucas palavras, a diminuição da luz recebida do sistema estrela-planeta devido a passagem do planeta em frente da estrela. O anti-trânsito é a passagem do planeta por tras da estrela, impedindo a estrela que a luz do planeta chegue ate nos. Como a luminosidade total do planeta é muito menor que a da estrela, a diminuição na luz recebida é muito menor. Para que tal seja detectavel, utilizam-se instrumentos que observam no infra-vermelho (como as câmaras e espectrografos do Spitzer), onde a emissão do planeta é mais intensa.

Uma sequencia de observações realizadas pelo espectrografo do Spitzer permitiu obter um espectro emitido pelo planeta, subtraindo à luz do sistema a luz recolhida em anti-trânsito. No entanto estes espectros eram de muito baixa resolução e foram obtidos bem perto do limite de funcionamento do instrumento. Curiosamente, a absorção provocada pelas moléculas de agua, considerada uma das mais abundantes, não era visivel nos espectros. Tal criou bastante especulação por contrariar os modelos teoricos de atmosferas.

Recentemente, alguns astronomos decidiram utilizar uma abordagem um pouco diferente para estudar a presença de agua. Serviram-se do facto que elementos diferentes absorvem radiação de forma diferente, criando linhas de absorção de intensidades variadas em comprimentos de onda caracter'isticos. Esta "assinatura espectral" é uma propriedade da espécie absorvente e pode ser usada para identificar a mesma. Este principio é usado na tecnica de espectroscopia de transmissão. Uma das consequencias é que a absorção total num dado comprimento de onda é controlada por riscas diferentes. Assim, quando medimos um trânsito em diferentes zonas do espectro, obtemos raios ligeiramente diferentes. O mesmo se verifica relativamente a luz emitida pelo proprio planeta: as moléculas atmosféricas controlam a saida do fluxo proveniente do interior do planeta e originam raios relativamente diferentes.

(in Tinetti et al, 2007, Nature)

Travis Barman utilizou esta dependencia do comprimento de onda para estudar a variação de tamanho em caso de trânsito e Giovana Tineti no caso de emissão directa. A ultima incluiu nas suas simulações uma detalhada lista com uma grande quantidade de linhas de absorção moleculares de agua. Os seus modelos apresentam, até a data, a melhor reprodução da emissão do planeta. Ela explicou que a agua não cria riscas de absorção nos espectros Spitzer pois a atmosfera é isotérmica: não existem moléculas em camadas exteriores mais frias em quantidade suficiente para absorver a radiação emitida. Tal efeito é apenas visivel na fotometria total, quando todas as contribuições são somadas.

Este é um tema complexo, regido por uma fisica que pode dificilmente ser explicada em poucas palavras. Apesar de fazer um esforço por nao incorrer em erro, a visão que vos apresento é demasiado simplista. Ainda assim, aqui estão os principios que regem o fenomeno. E, nestes casos, como o José Matos do Radiante bem evidenciou, ha que saber distinguir o resultado cientifico da publicidade e intereses que muitas vezes o rodeiam.

Um abraço a todos e até a proxima!

Pedro

quarta-feira, 18 de julho de 2007

Trânsitos, orbitas e atmosferas

Os planetas que transitam conseguem fornecer-nos ainda mais informação que aquela directamente proveniente do fenomeno em si. Quando utilizados em conjugação com o método das velocidades radiais podem fornecer informações acerca do plano da orbita. Quando conjugados com modelos atmosféricos conseguimos estudar a composição atmosférica.

Quando estudamos um espectro para obter a velocidade radial da estrela num dado momento (ver post explicativo) analisamos as riscas do espectro. Estas riscas espectrais sao alargadas por varios fenomenos e, interessantemente, um deles é a rotação da estrela. Façamos a seguinte experiencia mental:
Consideremos uma estrela que não roda e que tem um planeta em torno de si. A movimentação das riscas é determinada unicamente pela velocidade radial da estrela, a unica em jogo.
Imprimamos agora movimento de rotação à nossa estrela. Digamos que estamos a olhar directamente para o equador estelar e que a estrela roda no sentido directo (correspondente ao movimento dos nossos dedos quando fechamos a mão direita). Assim, o lado "esquerdo" da estrela é visto a aproximar-se e o lado "direito" é visto a afastar-se. Esta pequena variação de velocidade vai-se adicionar ao movimento estelar provocado pelo planeta. Quando recolhemos a luz da estrela com um telescopio, estamos a somar as contribuições de todo o disco da estrela.

Agora imaginemos que um planeta passa em frente da estrela; um transito bem comportado que passa perto do equador. Ao transitar o planeta provoca uma diferença nas velocidades medidas pois primeiro tapa um lado da estrela e depois outro. Este efeito, chamado efeito de Rossiter McLaughlin, permite-nos saber se o planeta orbita no mesmo plano de rotação da estrela ou não.

O planeta no qual este efeito foi observado mais pronunciadamente foi HD189733b, o planeta com a maior profundidade de transito conhecida: 3%.

Um outro método consiste em procurar os efeitos da absorção da luz estelar nas camadas superiores do planeta, quando este passa em frente da mesma. Apesar do centro do planeta ser opaco, a sua atmosfera deixa passar um pouco de luz (como a nossa!) Quando o planeta passa em frente da estrela, uma pequenissima fracção de luz chega ate nos depois de ter atravessado a atmosfera planetaria. Esta luz é parcialmente absorvida por atomos e moléculas do planeta, contendo assim a assinatura espectral do mesmo. Se separada do resto e analisada com um espectrografo, pode indicar-nos qual a composição da atmosfera do planeta. Infelizmente, é minuscula fracção de luz sujeita a tal experiencia que chega até nos. Estamos ainda dar os primeiros passos na chamada espectroscopia de transmissão.

No proximo post discutirei a detecção de agua num planeta extrasolar que tanto deu que falar.

Um abraço,

Pedro